Em praça pública, para servirem de exemplo aos demais, os negros sofriam .seus castigos. A escravidão negra no Brasil, iniciada, segundo alguns autores, em 1532, estendeu-se até 1888. Foram mais de três séculos e meio de escravatura, condição em que o negro desempenhou importante papel na colonização e, depois, no desenvolvimento econômico do Império. Os africanos entravam no Brasil principalmente através dos portos do Rio de Janeiro, de Salvador, do Recife e de São Luís do Maranhão, de onde se espalhavam por todo o território brasileiro. Muitas vezes, revoltados com sua condição, fugiam de seus senhores, chegando a organizar-se em quilombos, cujo principal, o de Palmares, em Alagoas, conseguiu tornar-se um verdadeiro estado negro dentro da colônia portuguesa.
Foi como que o negro entrou no Brasil, mas não foi esta colônia portuguesa o primeiro país na América a receber o africano em tal condição. Em 1501, a ilha de São Domingos atual República Dominicana, por um ato do rei da Espanha, recebeu a primeira leva de negros, vindos com Nicolau Ovando, e a partir de 1517 o comércio negreiro para as colônias espanholas começou a ser feito regular e legalmente. Foi concedido asiento a Go menot, governador de Besa, para a introdução de 4.000 negros, contrato que ele vendeu a negociantes genoveses.
Na Europa, é difícil saber a quem cabe a prioridade do tráfico-se a portugueses ou espanhóis. Já em meados do século XV ele constituía o meio regular de colonização de ambos os países e, a partir daí, durante os duzentos anos seguintes, foram abastecidas também, além das colônias espanholas e portuguesas, as possessões inglesas, francesas e holandesas,
Em Portugal, Antão Gonçalves, ao regressar em 1442 de uma expedição à África, ordenada por D. Henrique, levou alguns mouros como cativos que o Infante mandou libertar. No ano seguinte, Antão Gonçalves trocou seus prisioneiros por dez negros da Guiné, que Frei Francisco de São Luís afirma terem sido os primeiros escravos chegados a Portugal, provenientes da costa ocidental africana.
Em 1445, Nunq Tristão transportou mais de 40 escravos africanos, entusiasmado pelas possibilidades econômicas do negócio.
Foi em Portugal que mais se desenvolveu o tráfico negreiro - já que este país mantinha o domínio exclusivo da África colonial. Durante muitos anos, porém, o tráfico negreiro foi também próspero na Espanha, representando a principal fonte de renda do país. Por intermédio dos asientos a coroa espanhola concedia a determinados súditos o direito exclusivo de fornecer negros escravos às suas possessões de ultramar. O negócio era tão vantajoso que muitos soberanos estrangeiros faziam tudo para obter os asientos, ou seja, tratados ou contratados de monopólio comercial. E por dois séculos - de 1517 a 1743 - holandeses, espanhóis, franceses, portugueses e ingleses gozaram sucessivamente deste monopólio. A Inglaterra, que mais tarde seria ferrenha defensora da proibição do tráfico, conseguiu 30 anos de monopólio para seus súditos pelo tratado de paz de Utrecht assinado em 1713. A Espanha tirava grandes lucros destas transações, recebendo vultosos empréstimos ou adiantamentos dos empresários com os quais negociava, e a este (Hientos era dada ainda uma vinculação religiosa, sendo celebrados, inclusive, em nome da Santíssima Trindade por Sua Majestade Católica de Espanha. Dez contratos dessa espécie foram realizados em menos de dois séculos, compreendendo o transporte de quinhentos mil escravos num total de 50 milhões de libras.
No Brasil, o elemento negro começou a ser Introduzido com os primeiros engenhos de açúcar de São Vicente. Para alguns historiadores, os escravos africanos aqui chegaram com Martim Afonso de Sousa, em sua expedição de 1532. Durante quase 50 anos este tráfico foi regular, e em 1583 realizou-se o primeiro contrato para a introdução da mão-de-obra africana no Brasil, assinado entre Salvador Correia de Sá, governador da Cidade do Rio de Janeiro, e São João Gutiérres Valéria. Um século mais tarde já havia nas lavouras brasileiras 50 mil escravos negros, a maioria em Pernambuco. Em 1755, o Marquês de Pombal criou a Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão e, em 1759 a de Pernambuco e Paraiba, as quais introduzindo grande número de negros africanos, fomentaram o progresso material do Nordeste brasileiro.
Tencionando contar com o elemento natural para a colonização dos continentes que ocupa vam, os portugueses tentaram- nos primeiros tempos de sua permanência no Brasil - subjugar os silvícolas brasileiros. Assim, em 1533, Martim Afonso de Sousa permitiu a Pero de Góis o transporte para a Europa de 17 indígenas escravizados, e no foral dado a cada donatário contava o direito de vender anualmente até 39 indígenas cativos. O índio brasileiro, entretanto, além de não se adaptar ao regime de escravidão, não servia para o trabalho na lavoura.
Estes fatos, aliados à vinda dos jesuítas, empenhados na defesa do índio, fizeram com que aumentasse o tráfico negreiro, tendo os próprios religiosos usado a mão-de-obra africana até 1870.
A introdução do escravo negro no Brasil representava uma determinante socioeconômica importantíssima para a emancipação colonial, e foi por muitos reconhecida. Entre estes, Nóbrega, em carta ao rei de Portugal datada de 1559; o conceituado Bispo D. José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho, em sua obra Justiça do Comércio de Resgate de Escravos da Costa d' África; e o famoso Padre Antonil, que em sua Cultura e Opulência do Brasil, por Suas Drogas e Minas, escreveu: "Os escravos são as mãos e os pés do senhor de engenho, porque sem eles no Brasil não é possível fazer, conservar e aumentar fazenda, nem ter engenho corrente."
Os negros eram vendidos pelos seus sobas - chefes de tribos africanas - aos portugueses, e trazidos para o Brasil vindos da costa e da contracosta da África. Até meados do século XVll eram eles adquiridos, em sua maioria, pelos senhores de engenho de Pernambuco e Bahia. No início do séc. XVIII seus maiores compradores passaram a ser o Rio de Janeiro e Salvador. Ainda no início do século XVllI os escravos negros foram introduzidos nas regiões cafeeiras, a princípio do Pará e do Maranhão, mais tarde do Rio de Janeiro e São Paulo.
Os negros escravos que vieram para o Brasil saíram de vários pontos do continente africano: da costa ocidental, entre o Cabo Verde e o da Boa Esperança; da costa oriental, de Moçambique; e mesmo de algumas regiões do interior. Por isto, possuíam os mais diversos estágios de civilização. O grupo mais importante introduzido no Brasil foi o sudanês, que, dos mercados de Salvador, se espalhou por todo o Recôncavo. Desses negros, os mais notáveis foram os iorubas ou nagôs e os geges, seguindo-se os minas. Em semelhan_ te estágio de cultura encontravam-se também dois grupos de origem berbere-etiÓpica e de int1uência muçulmana, os fulas e os mandês. Mais atrasados do que o grupo..sudanês estavam os dos grupos da cultura chamada cultura banto, os angolas, os congos ou cabindas, os benguelas e os moçambiques. Os bantos foram introduzidos em Pernambuco, de onde seguiram até Alagoas; no Rio de Janeiro, de onde se espalharam por Minas e São Paulo; e no Maranhão, atingindo daí o Grão-Pará. Ainda no Rio de Janeiro e em Santa Catarina foram introduzidos os camundás, camundongos e os quiçamãs.
Os bantos encontravam-se na fase do fetichismo - adorando árvores e símbolos toscos, no sistema da propriedade coletiva - com uma rudimentar organização de família - e do governo patriarcal.
A incapacidade de adaptação do indígena para a maioria das tarefas colonizadoras e depois as leis de proibição do cativeiro do índio fizeram com que o tráfico negreiro para o Brasil aumentasse a partir de fins do século XVI e se mantivesse numa crescente progressão até meados do séc. XIX.
Dos portos onde os negreiros desembarcavam, os negros eram, depois de vendidos, transportados para as fazendas do interior. De Recife, eles chegavam até Alagoas; do Rio, eram levados para Minas e São Paulo; de São Luís do Maranhão, atingiam o Grão.Pará; e de Salvador, todo o Recôncavo.
Além do senhor do céu, Olorum, a religião dos iorubas introduziu no Brasil outras divindades ou orixás,
entre os quais Obatalá, ou Orixalá, ou Oxalá, que tinha por esposa Odudua; Xangô, deus dos raios e trovões; Ogum, deus da guerra; Iemanjá, deusa das águas; Oxóssi, deus dos caçadores e viajantes; Ifá, que tem por fetiche o fruto do dendezeiro, revelador do oculto; Da dá, protetor das crianças; Ibeji, Orixá dos gêmeos; e Exu ou Elegbará, espírito do mal.
Os sudaneses – que receberam influência do islamismo e eram os mais adiantados - foram os responsáveis pelos movimentos de rebelião dos escravos e pela formação dos quilombos - os agrupamentos de escravos fugidos criados no Brasil.
Os negros africanos, introduzidos no Brasil para trabalhar na lavoura e na criação, não se adaptaram a esta última função, sendo substituídos pelos indígenas - mais adaptáveis ao tipo de vida do pastoreio. E embora fossem utilizados também nos serviços domésticos e na mineração - onde tiveram papel importante - eles foram os princi pais, e em alguns casos os únicos, trabalhadores das lavouras de açúcar, café e algodão.
A compra do negro era, a princípio, realizada de forma muito simples. Empregava-se o sistema de troca, usando-se todo os tipos de miçangas, vidrilhos, guizos, panos, armas e utensílios de ferro necessário à lavoura africana, que eram entrgues aos sobas por uma certa quantidade de escravos.
Mais tarde, o ferro e a aguardente passaram a ser importantíssimos neste comércio. À medida, entretanto, que o tráfico se intensificou, as exigências dos vendedores foram aumentando e os compradores quase que tiveram de lançar mão de mercadorias européias.
Os negros eram transportados em navios negreiros, funileiros ou tumbeiras, e as descrições destas viagens - sobretudo as que foram transmitidas através dos apaixonados versos dos poetas abolicionistas - são de estarrecer. Não são eles, entretanto, a única fonte a revelar esse quadro horrendo. Outros autores que se destacaram no estudo do assunto atestam que nessas viagens morriam até 40% dos embarcados, além de ocorrerem naufrágios por excesso de carga; o tratamento era desumano e os escravos viam-se obrigados a passar fome e sede, quer pela ambição desenfreada dos traficantes, quer por erro de cálculo na tonelagem disponível para a travessia.
A estimativa do número de africanos introduzidos em nosso país durante o período superior a três séculos, em que foi realizado o tráfico, é muito difícil. Tradicionalmente, aceita-se a cifra, meramente hipotética, de 3.300.000 negros aventada por Roberto Simonsen. A base adotada por este último foi a produtividade do escravo. Já Mircea Buescu, em sua tentativa para qualificar a história econômica do Brasil, apresenta um outro método de avaliação deste número. Este autor recorre a duas fontes de pesquisa: primeiro, as informações, embora precárias, referentes à população global e à população escrava em várias épocas; segundo, a constatação de que a população escrava teve uma taxa negativa de crescimento vegetativo, taxa que é o elemento-chave de seus cálculos. Baseado nestes estudos, apresentou um total de 6.723.850, entrados no Brasi] do séc. XVI ao XIX.
Durante o Primeiro Reinado, os negociantes de escravos com armazéns no Valongo e no Aljube eram os comerciantes mais prósperos do Rio de Janeiro. Mais tarde, quando a Inglaterra passou a perseguir os navios e a confiscar seus carregamentos, o preço dos escravos foi inflacionado.
Um dos cálculos que encontra mais defensores é o do historiador Afonso de E. Taunay, que forneceu um total de 3.600.000 escravos africanos desembarcados no Brasil. discriminando-os pelos diversos séculos: 100.000, no XVI; 600.000, no XVII; 1.300.000. no XVIII: e 1.600.000 no século XIX.
O que se pode afirmar, com menor margem de erro, é que já em meados do século XVII a população escrava no Brasil superava a população livre: em 1660, o Brasil contava 74.000 brancos para 110.000 escravos. uma situação que prevaleceu atémeados do século XIX. pois os cálculos efetuados em 1816 acusavam que, dos 3.358.500 habitantes do Brasil, 1.428.500 eram livres, inclusive pretos e pardos forros, e 1.930.000 escravos.
Aqui chegando, os negros eram armazenados em um barracão. à espera de que fossem vendidos. Os preços variavam de acordo com muitos fatores: o sexo, a idade, a origem e o destino. Quando encaminhados às minas de ouro. valiam muito mais que os destinados aos campos de plantação ou ao serviço doméstico.
Eram vendidos separadamente sem respeitar laços de família - pais para um senhor, filhos para outros, maridos e mulheres para donos diferentes. O negro era um elemento caro e seu preço foi intlacionado, principalmente depois que a Inglaterra se arvorou em defensora da raça maltratada, passando a perseguir os navios negreiros. Os riscos tornaram-se, então, maiores, com prejuízo algumas vezes total. quando o navio negreiro era pilhado em alto-mar e o carregamento perdido quer pelo aprisionamento da embarcação, quer pelo extermínio total da carga. Nos primeiros tempos, de uma forma generalizada, o valor médio de um escravo oscilava entre 20 e 30 libras esterlinas, havendo momentos excepcionais em que este preço atingia a 100 libras.
O livro de contas do Engenho Sergipe do Conde fornece valiosas informações sobre o preço do escravo nos primeiros anos do século XVII. De acordo com as compras ali anotadas, um escravo custava, em 1622. 29 mil-réis; em 1630, 30 mil-réis; 42 mil-réis, em 1635; e 55 mil-réis em 1652.
Existem inúmeros dados relativos aos preços de escravos no século XIX, mas, como variam muito, é difícil determinar-se uma média real. Entretanto, estabeleceu Mircea Buescu um quadro estatístico em que se anota que o preço de um escravo era de 375 mil-réis, enquanto uma escrava custava, no mesmo ano e nas mesmas condições de saúde e idade, 359 milréis. Vinte anos depois, isto é, em 1855, um escravo custava 1.075 milréis, enquanto uma escrava atingia a importância de 857 mil-réis; em 1875 chegava-se "ao preço de 1.256 milréis para o homem e 1.106 para a mulher. Entre 1835 e 1875 o preço médio dos escravos cresceu 235%.
| Os negros escravos foram os principais - e às vezes únicos trabalhadores nas lavouras de açúcar, café e algodão, e na pavimentação de ruas, no Rio de Janeiro. |
Mesmo dentro da precariedade da exatidão dos dados, anotada pelo próprio autor, esses preços não são desprovidos de coerência. A inflação apresentou-se em grau bastante baixo num período de dez anos - com exceção do período de 1845 a 1855, época definitiva para a abolição do tráfico, que provocou um aumento violento do preço de um escravo. Na roça um escravo de 60 a 65 anos valia metade de um entre 40 e 50 anos e a quarta parte de um de 25 a 30 anos; as crianças tinham a partir de 9 ou 10 anos, preços iguais aos dos adultos; menores de 9 anos, o preço de um escravo subia de 20 a 50 mil-réis por ano de idade.
Antes de 1850 a elevação dos preços foi efeito da procura, enquanto que a partir deste ano a causa principal da baixa do preço foi a oferta, tendo em vista as leis abolicionistas que paulatinamente iam substituindo o escravo pelo trabalhador livre.
Embora os negros se adaptassem mais do que os indígenas ao trabalho agrícola, a que já estavam acostumados, o tempo de vida de um escravo negro, depois de chegado ao Brasil, variava entre sete e dez anos.
Aos escravos cabiam todos os serviços das plantações, desde a derrubada das matas, a queima dos troncos e a limpeza do terreno, até o plantio, a colheita e o preparo do produto para a venda. A abertura de caminhos e a construção da casa-grandeeda senzala eram também tarefas dos escravos.
Os escrav os fazi_m todos os serviços: serviam o senhor de engenho, derrubavam as matas. queimavam os troncos, limpavam o terreno, vigiavam o crescimento das mudas e molhavam os partidos. Cabia-Ihes ainda evitar que o gado pisasse nos canaviais e que as pragas atacassem as plantações, cortar a cana a golpes de foice, levá-Ia em feixes para as moendas. que em muitos casos eram movidas por eles próprios.
Além disso, eram responsáveis pela abertura dos caminhos que ligavam os engenhos aos portos e pelo transporte das caixas de açúcar destina das à exportação. E tanto a casa grande - moradia do senhor e sua família como a capela, as instalações da moenda, a construção dos depósitos e até a da própria senzala - moradia dos escravos -, tudo era feito pelo trabalho cativo. Finalmente, alguns eram ainda utilizados no trabalho doméstico e mesmo na amamentação e criação do filho do senhor, como era o caso das chamadas mães-pretas.
A senzala era constituída por uma série de barracões, pequenos e abafados, com uma só porta e sem janelas. tendo apenas pequenos respiradouros. Frequentemente as senzalas eram construídas semi-enterradas no solo, com o chão de terra batida, que servia de lugar de sono e repouso. A alimentação, a mais racionada possível. compunha-se de feijão. farinha de mandioca e um naco de carne-seca.
Nas fazendas de açúcar o dia era longo. Os negros levantavam-se ao amanhecer e, após receber uma ração de alimento, seguiam para o trabalho, onde permaneciam até o pôrdo-sol, com pequenos intervalos para refeições.
Os erros e a preguiça eram castigados das formas mais diversas e brutais, indo da palmatória às chicotadas. que deixavam as costas e nádegas em carne viva, colocando-se nas feridas montes de sal para que a dor se prolongasse por dias e o castigo jamais fosse esquecido. Além desses castigos havia outros. ainda mais rigorosos, em que se utilizavam aparelhos de tortura.
Era costume marcar-se o escravo à semelhança do que fazia com o gado. Já ao sair da África. ele recebia a marca de uma cruz no peito para indicar sua condição de novo cristão. Alguns, chegados ao Brasil, recebiam ainda a marca do senhor, enquanto no corpo dos negros fujões costumava-se imprimir um F, indicação de sua fuga e captura. O senhor tinha total direito sobre seus cativos, mas alguns escravos não conseguiam sujeitar-se a tal situação e fugiam, e, como desconhecessem a região para onde haviam sido levados. em pouco tempo encontravam dificuldades em esconder-se. sendo logo aprisionados pelos capitàes-do-mato.